CENA ABERTA - O Incorreto que nos Ensina: Como conheci a série animada South Park



Mataram o Kenny (...) Seus Filhos da P#$%#$%

Existe uma memória juvenil envolta em poeira, risadas abafadas e o cheiro de Tip-Top e micão: o momento exato em que descobri South Park. Eu era um adolescente sedento por "transgressão", e a série, com seu design propositalmente tosco e seu linguajar sem filtros, era o epítome do que era "proibido" e, portanto, irresistível.

Lembro que assistíamos em uma espécie de ritual clandestino: os episódios eram passados em CDs virgens de 700MB, muitas vezes baixados do 4shared em internet discada, onde um único arquivo demorava várias horas para ser concluído. Assistir àqueles episódios em computadores antigos, na madrugada, era como se estivéssemos cometendo um crime que só as paredes de casa poderiam testemunhar.

O interesse inicial era puramente superficial, confesso. Éramos capturados pelo absurdo: os palavrões trocados entre Eric, Stan, Kyle e Kenny; as cenas grotescas e o humor ácido que fazia meus amigos e eu nos cotovelarmos, sentindo-nos cúmplices de algo irrevogavelmente politicamente incorreto. Naquela época, a série era apenas uma explosão de anarquia e escatologia, uma catarse juvenil contra o bom-mocismo imposto pela escola e pela família. Para nós, era a validação de que o mundo adulto era ridículo e que a melhor resposta era rir do caos.

Mas a adolescência, assim como a série de Trey Parker e Matt Stone, é uma fase de crescimento, e quem se debruça sobre South Park sem o preconceito inicial – a barreira que muitos adultos jamais conseguem derrubar – descobre rapidamente que a sujeira verbal é apenas a casca.

Com o passar dos anos e o amadurecimento do olhar, comecei a ver a complexidade por trás da simplicidade animada dos bonecos de papel. Cada episódio não era sobre o "conteúdo obsceno", mas sobre a coragem de ser honesto. Ali, disfarçados de crianças que falam palavrão e protagonizam cenas surreais, estavam os maiores ensaios sociológicos da nossa geração. Eram os criadores usando o ridículo para dissecar a América: a histeria das redes sociais, a hipocrisia política que muda de lado conforme a conveniência, a moralidade flexível da mídia e, ironicamente, a própria fragilidade da, então desconhecida, "cultura do cancelamento".

De repente, entendi perfeitamente por que a série era rotulada como para maiores de idade: não pelo que mostrava – um desenho animado que qualquer criança pode ver —, mas pelo que obrigava você a pensar e a questionar. O que a torna adulta é a densidade das críticas que carrega, a demanda por um olhar atento que desmonte a sátira para encontrar a verdade, muitas vezes cruel e desconfortável, que ela expõe.

A chegada de novos episódios à Paramount+ não é apenas um evento para os fãs de longa data; é um lembrete nostálgico desse meu próprio crescimento crítico e da relevância perpétua da série. É o convite para retornar à pequena e insana cidade do Colorado, mas agora com a cabeça de quem sabe que a diversão está em despir a série de seu rótulo "ofensivo" e absorver a inteligência mordaz de seus criadores.

Quem se permite ir além do choque inicial, encontra em South Park uma das crônicas mais perspicazes e necessárias sobre quem realmente somos, por trás de toda a nossa polidez social. É a lição definitiva de que, às vezes, a melhor maneira de falar sério é falando tudo errado. E que bom que eles continuam nos dando essa aula, mesmo que, a cada nova temporada, o mundo pareça mais absurdo do que a animação.

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